terça-feira, 13 de abril de 2010

Rede é regulação e nada mais. Entrevista com Alexander Galloway

Um dos principais pesquisadores das redes digitais e da sociedade de
controle, Alexander Galloway  é professor associado do Departamento de
Cultura e Comunicação da Universidade de Nova York e autor de
Protocol: How Control Exists After Decentralization e Gaming: Essays
on Algorithmic Culture (ambos ainda sem tradução para o português).

Ele também escreveu para publicações online, como a CTHEORY e a
Nettime, além de ter participado de coletivos de Mídia Tática.

Nesta entrevista exclusiva ao Fórum da Cultura Digital Brasileira,
Galloway comenta sua teoria do protocolo e explica porque a internet é
mais controlada do que supomos. “É fundamentalmente redundante dizer
internet regulamentada. A internet é regulação e nada mais.”

Galloway estará presente ao Seminário Cidadania e Redes Digitais com
Langdon Winner e Tim Wu.

Em seu livro “Protocol”, você descreve os protocolos como um
instrumento de controle que não é exercido por pessoas, corporações ou
governos. Também a interatividade, pensada no início como libertadora,
acaba por resultar, na sua opinião, em ainda mais controle. Como essas
questões se articulam, quem são os beneficiários deste controle e como
estabelecer, nos seus termos, um “contra-protocolo”?

Há conotações nefastas para este termo, controle e, claro, não estou
inteiramente evitando-os, no entanto, o principal objetivo de um
conceito como “protocolo” é enfatizar o aspecto organizacional, o
controle como uma tecnologia ativa de organização. É disso que a
cibernética se trata: controle e comunicação em conjunto. Eu tenho
usado o conceito de “tragédia política da interatividade” para
descrever como a interatividade, que se sustentou até há poucas
décadas atrás como o grande objetivo de uma mídia emancipada, agora é
hoje a infraestrutura básica da tecnologia global. Em outras palavras,
não há nada de emancipatório na interatividade hoje.

Na verdade, há um novo tipo de interatividade online, a interatividade
do corpo, o valor codificado que ela produz quando é capturada,
massificada e digitalizada por sistemas de monetização. Isto é o que a
interatividade significa hoje. Um corpo é sempre “cybertyped”, ou
seja, é sempre rotulado com um certo conjunto de marcadores de
identidade afetiva. Não se trata simplesmente que um corpo deva estar
sempre falando, ele deve estar sempre “falando-como-algo”. Sempre que
um corpo fala, ele sempre fala já como um corpo codificado com uma
identidade afetiva (gênero, ética e nacionalmente digitado, e assim
por diante), determinada como tal por várias infraestruturas
recíprocas e pela formação da identidade. Isto é parte do que eu estou
tentando explorar sob o conceito de “protocolo”.

No Brasil, assim como em países como a França, recentemente surgiram
iniciativas no âmbito legislativo de criar restrições à internet,
obrigando, por exemplo, provedores de acesso a denunciar práticas como
“downloads ilegais”. Que cenário você prevê para a liberdade de
expressão na internet?

Saliento que o protocolo está fora tanto dos poderes comerciais e
jurídicos não para afirmar que esse tipo de poder não exista. Muito
pelo contrário: eles existem. No entanto, reduzir a lógica da
infraestrutura da máquina para a lógica dos governos e corporações é
falso. Máquinas em rede tem sua própria lógica, e pelo menos no início
esta lógica era altamente resistente a antigas formas de poder
exercido por antigas formas de soberania. O que estamos vendo hoje, no
entanto, após esse período inicial de organização em rede, é uma
reinvenção da soberania no âmbito de redes, uma “centralidade-de-rede”
se você preferir. É por isso que uma das entidades mais poderosas do
planeta pode ser uma entidade de rede: o Google. É por isso que o novo
sistema de comando jurídico global pode ser um comando de rede: o
Empire.

Como você interpreta a ideia de um marco regulatório civil? Você
acredita que o Estado tem um papel na formulação de políticas públicas
para a rede?

É fundamentalmente redundante dizer “internet regulamentada”. A
internet é regulação e nada mais. Basta olhar para os protocolos. O
“C” no TCP/IP significa “Control”. Eu sou contra a ideia, que ainda é
bastante comum, de que a internet é uma força que, fundamentalmente,
elimina regulação, hierarquia, organização, controle, etc. Redes
distribuídas nunca estão “fora de controle” – este é o pior tipo de
ilusão ideológica. A questão fundamental, portanto, nunca é se existe
ou não controle, mas de preferência perguntarmos: Qual é a qualidade
desse controle? De onde ele vem? Ele é dominado pelos governos, ou é
implantado no nível da infraestrutura das máquinas? Não tenho a
pretensão de responder à questão sobre o poder do governo, pois há
décadas e séculos de textos dedicados aos excessos do poder estatal.
Ainda podemos ler esses livros. A minha contribuição é meramente ao
nível da infraestrutura e da máquina. Qual é a especificidade da
organização informacional? Esta é a questão básica da protocolo.

Com base em seu conhecimento sobre o contexto da internet no Brasil,
como você vê a atuação de grupos de mídia tática, ativistas e
pesquisadores e qual seria uma proposta de defesa da internet livre no
país?

Quero aprender muito a partir do contexto brasileiro. Minha sugestão
inicial é que, com o aumento do poder do formato de rede, é importante
compreender a organização e o controle social em relação às três
frentes: o Estado, o setor comercial e o setor industrial. Ativistas
de mídia tática já estão conscientes disso e estão mobilizando seus
esforços em todas as três frentes. Por exemplo, eu considero o sistema
operacional Linux uma vitória dramática no setor comercial, mesmo que
tenha muito pouco a dizer sobre o poder do Estado sobre o poder da
infraestrutura. Não tenho certeza se  temos visto ainda um movimento
“contra-protocolo” muito ativo. Mas este será, certamente, o local da
luta que virá.

    * Entrevista com Langdon Winner
    * Entrevista com Tim Wu
    * Seminário traz Langdon Winner, Galloway e Tim Wu a São Paulo

http://culturadigital.br/blog/2009/10/30/entrevista-com-alexander-galloway
publicado por Henrique Costa em 30 de outubro de 2009

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